quarta-feira, 26 de junho de 2024

Divertida Mente 2


A estreia da animação ‘Divertida Mente 2’, em 20 de junho, está dando o que falar...

Wilson Lazaretti também fez sua reflexão, que passa, inevitavelmente, por questões ligadas a cultura e à prática da animação de forma independente e livre.

Leia o texto completo abaixo.


Sou do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas há 49 anos (esta instituição vai comemorar 50 anos em abril de 2025) e também professor das disciplinas de animação do Departamento de Artes Visuais/Instituto de Artes da Unicamp. 

Muito a contragosto fui levado ao cinema por alguns dos meus alunos para assistir ao DIVERTIDA MENTE 2. Como professor compulsivo, fui por minha livre e espontânea vontade e aproveitei para expor-lhes, de forma bastante prática, o que já lhes dissera em aula clássica. 

A começar pelo título, que, diga-se de passagem, não é dos mais brilhantes da sétima arte, sempre preguei contra os princípios da Disney e congêneres porque o meu campo de atuação, bem como o de professor, é mostrar, discutir e praticar a animação de forma independente e livre.

Eu não gostei do filme, não só pelo massacre industrial que, não só esse, como também toda a produção da Disney reflete. Os objetivos são baseados no forte conglomerado de empresas, que se mostram com todos os dentes a fim de convencer e depois devorar o espectador, seja ele, criança, adolescente ou adulto.

Vocês sabem que a Disney não dá ponto sem nó. Todo o amor e admiração das audiências de todo o mundo pelos personagens da empresa se devem a investimentos altíssimos. Para achar que Mickey Mouse é uma fofura, foram investidos, durante o decorrer da história do personagem, milhões de dólares, sendo que o retorno deste investimento para a empresa se multiplica por inúmeras vezes. 

Gosto é uma “coisa” que se discute, mas também se compra e se vende – Disney sempre conheceu bem e se valeu das fraquezas humanas, e nem eu, nem ninguém podemos condená-lo por ter sido um explorador de sentimentos, afinal as fraquezas, assim como as virtudes, são ingredientes na composição do caráter humano.

Não gostei dos cenários de DIVERTIDA MENTE 2! Salvador Dali faria melhor! Faria, talvez, até mais próximo do que realmente pode ser a nossa memória. Entretanto, há uma coisa primorosa que é o roteiro do filme. Toda a ideia do roteiro é bem resolvida e não sobra quase nada para a gente pensar em casa. Há na produção profissionais competentes, roteiristas experientes, sobretudo, cuidado e principalmente vigilância para com os princípios da empresa, ou seja, o cuidado com os “pontos sem nó”.


A animação é do tipo “balançante”: tudo vai e volta, mesmo que seja rapidamente. Claro, a animação é a representação dos detalhes do movimento, mas este exagero gera muito incômodo para quem se expressa através da arte da animação. 

Quanto ao público incauto, acho que ele até gosta de ver isso e atravessa o filme atento as outras coisas que a produção oferece para gerar identificação entre o personagem e si, tais como o aparelho odontológico da personagem principal, a preguiça, a vergonha e assim por diante.

Agora, devemos educar nossas crianças para serem adultas e não para permanecerem crianças o resto da vida. Há, no panteão sagrado da animação brasileira, o longa-metragem BOI ARUÁ de Chico/Alba Liberato, um desenho animado mergulhado nas questões fundamentais para a existência e sobrevivência da raça humana. (imagem abaixo)



O tema do filme fala sobre a vaidade, autoritarismo, quando o Boi que é fictício, mas fala também do amor e solidariedade, quando o personagem principal consegue pegar o BOI. 

Todos os cenários reproduzem o que está sob o Céu do Nordeste Brasileiro, uma riqueza que não damos conta de reconhecer. 

BOI ARUÁ não tem apelo comercial, mas mesmo assim todo pai, toda mãe deveria levar seu filho a assisti-lo, desde que veja nele um ‘Futuro Adulto’, ou seja, um ser humano imbuído de saber e conhecimento, que atravessou sua vida obtendo dela o que pode de melhor agregar para a sua construção intelectual. 

Acho que aqui entra uma questão que recebi por e-mail sobre “juvenilização da cultura”. Os adultos acham que as crianças gostam das coisas que eles julgam que elas gostam. Impõem-lhes padrões, os quais, talvez, as crianças por si não estariam dando a mínima. 

A verdade é que, estamos no mundo dos adultos. Nós que impomos os conceitos e preconceitos aos que dominamos. Esse domínio ocorre em todas as estratificações das nossas sociedades, à quais estamos submissos.

O cinema, bem como as demais mídias congêneres, possui um aparato técnico impressionante e poderoso para convencer mortalmente suas audiências de que estão apreciando verdadeiras obras de arte. Observem que, no fundo, no fundo, esses filmes, sempre dizem a mesma coisa, por mais mirabolante que seja a sua produção. 

Na animação comercial, a Inteligência Artificial chega para reforçar o que disse a computação gráfica, o que disse a manipulação da linguagem cinematográfica, o que disseram as pesquisas e descobertas técnicas pelas quais o cinema passou ao longo de mais de cem anos de existência.

A animação independente não tem o apoio financeiro que os grandes estúdios têm, mas guarda a essência do homem primitivo que se colocou entre o fogo e a parede da caverna para realizar uma das primeiras animações. Foi atitude tão inerente ao seu físico e a sua mente, que este modo de fazer animação é até hoje praticado. Basta que nos falte energia elétrica em casa, acendemos uma vela e “brincamos” com o nosso corpo para produzir animação na parede. No caso, brincar com fogo significa realizar animação.



Wilson

22/junho/2024.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Dia do Cinema Brasileiro: lembranças do coração da Amazônia

Em quase 50 anos de história, caberiam infindáveis memórias para registrar mais um dia do cinema brasileiro, celebrado em 19 de junho.

Este ano escolhemos esta foto, que é bem representativa da viagem mais recente do Núcleo à Amazônia. 

(Essa ligação vem de longa data... Neste post contamos um pouco da experiência de Wilson Lazaretti e Maurício Squarisi em 1991 - CLIQUE AQUI PARA LER)!

Quem fala da foto é o Mauricio Squarisi:

Eu, Larissa e Wal fomos trabalhar na Amazônia de 10 a 21 de maio de 2024.

Na foto estamos embarcando em uma voadeira no rio Yá-mirim, em São Gabriel da Cachoeira (850km de Manaus). Navegamos por quatro rios (Yá-mirim, Yá-Grande, Cauaburis e Maturacá) para chegarmos à comunidade yanomami Maturacá (nos disseram lá que o correto é yanonami).


Nosso objetivo: realizar oficina de animação em que os próprios indígenas criam roteiro, grafismo, animação e trilha sonora, portanto realizam um desenho animado AUTORAL/COLETIVO, como em todas as oficinas que realizamos pelo Núcleo de Cinema de Animação de Campinas. Trabalhamos com jovens de idade entre 20 a 30 anos, de ambos os sexos. 


Outro objetivo é que essas meninas e esses meninos dominem a técnica da animação e realizem seus próprios filmes. 


Retornamos com um excelente material para digitalizar e montar o filme final. E, claro com uma experiência impagável. Na comunidade, os indígenas filmaram seus desenhos com celular para perceberem os movimentos gráficos que criaram. Em breve "PRAI PRAI" estará pronto.”


E aqui, o relato do Wal:

“O local onde fica a comunidade de Maturacá/Yanonami, entre os estados do Amazonas, Roraima e o país Venezuela, é um dos múltiplos corações da Amazônia, que tem grande significado para a equipe do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas, que há quase cinquenta anos está no ar, na água e sob o céu deste país.

O mais importante em uma produção de qualquer forma de arte é o processo para produzi-la, e a vida nos ensinou a ver que somos, sim, desenhistas animadores, com mais dois adjetivos: independentes e livres, e também com um tempo diferente.  

A oficina foi apenas o princípio do processo de animação, ou seja, o de colocar um desenho após o outro e assim obter um desenho que se move. A introdução foi feita através de nosso grande aliado, o Zootroscópio. Em seguida passamos à mesa de luz, embora os participantes tenham desenhado também sobre bancos e mesas, porque entenderam que “um desenho após o outro” é a chave da animação. A mesa de filmagem para os celulares foi apenas um facilitador do processo.

O resultado da oficina é um exercício de animação. Acreditamos que prática de mais animação e exercícios com outros temas levarão à produção de uma animação autóctone, com características próprias da cultura Yanonami.”


Em tempo:

Em campo, estavam Wilson Lazaretti, Mauricio Squarisi e Larissa Ye’padiho Mota Duarte, estudante do Departamento de Artes Visuais/Instituto de Artes da Unicamp, pertence à etnia Tukano.

Mas há muitos outros nomes envolvidos, no estúdio, na logística da viagem... Os agradecimentos envolvem lideranças indígenas, entidades de apoio e outros profissionais, envolvidos na produção em estúdio, na logística da viagem… Uma oficina como esta é, de fato, um trabalho coletivo!

Esta iniciativa faz parte de um projeto maior denominado de HISTÓRIA DE TODOS OS POVOS e visa a introdução da técnica de desenho animado nas comunidades indígenas de todo o Brasil. A finalidade é de estimular a produção “in loco” de desenhos animados com características próprias de cada etnia. Para que esse objetivo se cumpra na prática, os equipamentos usados na oficina ficaram na comunidade de maturacá: zootroscópio, mesa de luz, mesa de suporte de animação, furador de papéis, réguas de animação, ferramentas para manutenção, montagem e desmontagem dos equipamentos e material para desenho.